4.6.05

Houston, We Have a Problem!




Semana 1

A máquina berrou. O interruptor fez curto-circuito. A lampâda fundiu. A loja fechou. A alma mostrou o ecran azul.

Pois é. Decididamente já não tenho 25 anos. No século passado, quando ainda estava no vigor da minha fogosa e inconsciente juventude, podia permitir-me a longas sessões de tortura sob a forma de privação de sono, durante dias. Um auto-sacrifício cheio de puro misticismo católico, do tipo "Ó filho faz um sacrifício agora para colheres os frutos no futuro", misturado com as técnicas de resistência sob tortura desenvolvidas pelo KGB, para conseguir trabalhar durante o dia, ter aulas no pós-laboral e fazer os TPC's até de madrugada.

Desta vez a massa encefálica bateu com a porta e saiu de casa. O bilhete de despedida foi uma sucessão de bolas azuis, vermelhas e amarelas que avançaram em direcção às estenuadas pupílas, disparadas como raios laser da maquete em que trabalhava nas primeiras horas da matina. Se não tivesse todo lixado da mona ainda podia divertir-me à brava com uma moca tribal ao som duma batida tranz-house-techno-micro-shit-system. Mas estava mais para me arrastar para a cama e mandar tudo às urtigas...

Acho que devo ter acordado 24h depois completamente vestido e exactamente na mesma posição. Pelo menos não precisei de fazer a cama.

Este foi o princípio da Roleta-Montanha Russa (é só para verem que a coisa estava bera), em que ou tinha ataques de narcolépsia ou vertigens que me deixavam prostrado durante horas. Parecia um marinheiro a atravessar o Cabo Horn durante o inverno. Para conseguir dormir só com 3mg de Lexotan.

Semana 2

Ok rapaz, isto está a pedir helicóptero de evacuação no Vietnam. O melhor é marcar consulta p'ra sôtora ver o menino. 'Tou? Queria marcar uma consulta para esta semana....só segunda? Ás 14:15? Obrigado. Uma semana à espera? Vamos lá ver se isto passa até domingo. E foi a ver se te aguentas de fadiga, insónias, dormência craneo-encefálica e viajens gratuitas no carrocel da feira da hipertensão arterial (com direito a balão. Que por coincidência tinha a mesma forma da minha cabeça).

Semana 3

Segunda-feira 30 de Maio 14:05h
- Boa tarde tenho consulta...
- A sôtora está a chegar.

Entretanto na rua, uma comitiva académica tinham montado um sistema ultra-mega-HI-FI, em altos décibeis, capaz de decapar um petroleiro só com os agudos, para promover uma party-taz-a-ver-do-género-série-da-tvi.

Segunda-feira 30 de Maio 14:55h
A sôtora chegou.
Segunda-feira 30 de Maio 15:05h
A sôtora sai do consultório e ameaça os jovens décibeis com uma visita à morgue se não reduzem a poluição sonora.
Segunda-feira 30 de Maio 15:e-qualquer-coisa
Lá sou atendido. Conto o que se passa. -Isso deve ser fadiga mas também pode ser outra coisa. Vai fazer uns exames e depois vemos isso. E não se esqueça de medir a tensão todos os dias.

Saí a pensar - Outra coisa? O que quis ela dizer com outra coisa? Então? E nem um ansiolítico receita? E uma sangria ao estilo medieval, nada? Esquece. É fadiga sim senhor, que o lombo já me disse que era. Um tipo sabe. - Bem, cá vou eu à clínica marcar os exames e o ECG para o dia seguinte. ECG às 08:00h análises até às 10:00h.

Dia seguinte. Chegada depois das 08:00h. Por volta das 09:20h chamam-me para as ditas análises. O sangue foi logo, a urina demorou mais. De tubo na mão (para recolha da urina), dirijo-me ao WC mais próximo. Depois de encher o recipiente é que li o papel afixado na parede da sanita. Instruções: Urinar um pouco e em seguida encher apenas 2 terços do tubo. Claro que tinha feito tudo ao contrário e depois de ter esvasiado quase metade do conteúdo na sanita já nem um pingo tinha na bexiga. Não há-de ser nada. Tudo lavadinho toca de entregar a amostra à srª efermeira.

Uma hora e meia depois aparece a srª do ECG toda irritada porque já estava farta de me chamar - Ó minha srª, estou aqui há uma hora e meia e ninguém me chamou. Só se foi quando fui fazer as análises. - Mas o exame estava marcado para as 08:00h. - Bem chavala, tás cá c'uma sorte d'eu estar lesionado senão levavas um arreganho que até te deixava os dentes a fazer bip-bip-bip!

Os dias a bordo continuaram difíceis mas na sexta-feira de manhã vou medir a tensão e está a voltar ao normal. Porreiro. Chego a casa, decido fazer uns cálculos de estruturas e começo a ver os manuais a rodar para a esquerda. Mau, vertigens? E cá vai mais uma viajem gratuita no carrocel da feira da hipertensão arterial, com direito a balão.

Camaradas, digo-vos, desta vez pensei que ia jogar golf com o S. Pedro. Por volta das 20:00h tive que ir aos SAP. A médica mete-me um comprimido debaixo da língua e manda-me para as urgências do hospital cá do sítio.

Hospital 21:15h. Sala de espera nem por isso apinhada, o WC parecia saído do bloco-leste, gemidos vindos da triagem. Quando sou chamado acabo ao lado de um tipo numa maca, que ao principio pensei ser uma senhora muito feia, completamente histérico, a gritar - ai jesus, tou todo dormente. - E uma efermeira pergunta-lhe - O sr faz musculação? Epá, eu devo 'tar a ouvir mal porque o tipo é uma embalagem de banha. Sou atendido por uma enfermeira espanhola ao som de vómitos do vizinho. O cheiro azedo atinge-nos, sem misericórdia, nas ventas e decido fazer uma dieta de oxigénio- Abran a puerta quê boi a xeguir. E eu também! E lá ficámos os dois a dividir um bocado de algodão com álcool para não fazer companhia ao Tarzan Tabórda.

De regresso à sala de espera, espera, espera...

Finalmente sou chamado ao Gabinete 7. O que é que tem, blá, blá, blá, - Isso pode ser um AVC ou pode ser outra coisa. Que "pode ser outra coisa" já eu sei mas olhe que um AVC sempre deve ser melhor do que o que estou a sentir agora. Tome lá este comprimido e ponha debaixo da língua. Quando acabar as análises volte cá. Não precisa de ser chamado. Lá vou eu e uma octogenária de urgência fazer um TAC. Bolas, tou a um passo da secção gereátrica. Espera. TAC. Espera. Análises ao sangue. Sentado à minha frente está um tipo africano algemado e um guarda prisional à porta. Devo ter entrado numa série do AXN por engano...não, é mesmo aqui. Aguarde. A bruta da enfermeira não acerta com a veia. Está a doer? Não...Ahhhhh, agora está! Então dê-me cá o outro braço que este já está massacrado. Vais no 2º turno e já não vês é nada... Resultados das análises só 1:30h depois. E agora é para onde? ECG. Tudo fino. Regresso ao Gabinete 7. Médico nada. Espera, espera, espera, espera...Quando vir o sôtor digo-lhe que está à espera, espera, espera, espera. Lá me chamam para o Gabinete 6. Sou atendido por uma sôtora que veio substituir o sôtor. Está com dor de cabeça ou é cansaço? É tudo junto! Os resultados estão normais. Diagnóstico: fadiga. Vai ter que diminuir o ritmo de trabalho ou a corda rebenta. Fadiga? Fadiga!? Que é fadiga sei eu! Que o lombo já me avisou! E agora? Agora vai tomar um ansiolítico para dormir melhor e descansar o máximo possível. Vou-lhe receitar 1,5mg de Lexotan para tomar uma hora antes de deitar. Seja. Tanta treta e afinal ainda reduzem a dose.

02:00h. Saí pelo meu pé da fábrica de tortura com a certeza de um final feliz (talvez). Que era fadiga já eu sabia...