Ghost Rider
Nasci para isto. As estradas, os moteis, as estações de serviço, as noites sem dormir, as camas por fazer, os televisores avariados, as putas baratas, os bares de camionistas, as cidades do interior, a pradaria e o deserto.
Uso um chapéu de cowboy comprado no Texas. Guio um Chevrolet Impala SS de 1963, branco, a que dei o nome de Ghost Rider.
Rio-me muito. Tenho todos os dentes e uma tatuagem de um lobo no ombro esquerdo.
Lembro-me. Eram oito-e-qualquer-coisa da manhã. Na rádio Johnny Cash cantava The Long Black Veil. Sentia-me cansado. Tinha conduzido toda a noite e precisava descansar. Parar em qualquer lado. O G.R. estava nas últimas e com falta de gasolina.
Parei no Driver's Paradise. Uma gota de orvalho algures no Novo México entre nada e lado-nenhum. Estacionei junto à entrada do restaurante. Saí de um e entrei no outro.
Mesmo aquela hora da manhã, lá dentro, estava o bastante mais fresco. Dirigi-me ao balcão. Direito e sujo, lento e dormente, sem olhar nem à esquerda nem à direita. Tirei os óculos escuros e guardei-os no bolso esquerdo do blusão de ganga coçado, que era a minha terceira pele desde que me lembro. Sentei-me no banco que fazia a tangente entre a porta e o longo balcão gasto, de madeira da Califórnia e aço de Pittsburg. É nestas coisas que a América é perfeita. O centro das duas costas encontra-se sempre no nada.
- 'om dia.
A empregada era atraente apesar dos seus quarenta anos e vinte-e-dois de serviço entre todas as estradas desde ali até ao Canadá.
- 'om dia. - respondi.
- Café?
- Humhum... - Respondi com um aceno de cabeça.
- Mais alguma coisa? - Perguntou ela com um sorriso de brancura de loiça estalada. - Temos ovos estrelados e bacon com torradas...
- Humhum, tudo isso e...Tarte de maçã, se-faz-favor. - Respondi com um aceno de cabeça.
- OK. - Respondeu afastando-se e anotando o pedido num pequeno bloco de notas que retirou do bolso direito da saia khaki.
- Têm Lucky Strike?
A empregada regressou com o maço e pousou-o à minha frente, quase milimetricamente entre as duas margens do balcão. Virou-se lentamente, como o rodar da chávena no pires, e foi atender outro cliente.
Abri o maço. Como abro sempre, por isso não me lembro dos pormenores, nem vale a pena descrever. Uma maneira lenta e segura. A segurança das coisa banais, já há muito tempo definidas como nossas. Aquele sentido de posse que temos quando levamos a chave à porta de um quarto ou quando beijamos a rapariga sem nome na última cidade...
Abri o maço e tirei um cigarro sem olhar. Mesmo em frente, do outro lado, havia uma colecção de canecas de cerveja com nomes de várias marcas. Li Budweiser três vezes antes de desistir. Olhei em volta. 180º/180º. O lugar era asseado, calmo, agradável...pelo menos aquela hora da manhã.
O pequeno-almoço chegou, finalmente. O café fumegava e o resto apetecia. O cheiro a comida entrou-me pelas narinas e invadiu-me os sentidos. Estava com fome.
- Puro? - Perguntou a empregada. Não ouvi. - Puro?
Olhei para a empregada como que arrancado da lembrança de uma memória. Ela, de cafeteira na mão, sorria.
- Puro?
- Não...Três cubos, obrigado. - E continuei a mastigar.
- Você não é destes lados. D'onde é que vem?
- De lado nenhum em especial.
- Rapaz! Voçê não é muito para conversas!
- Desculpe. Estou um bocado cansado... - Respondi, tentando sorrir.
- Temos uns quartos bons, se quiser...
- Obrigado. - Continuei a comer. - Preciso de um mecânico. - Agarrei um pedaço de bacon e levei-o rapidamente à boca.
- O Fred trata disso. Chamo-me Della. - Disse, estendendo-me a mão direita.
- Paul. Paul Legere. - Respondi.
- Óptimo! Agora já é cliente habitual. - Sorriu. - Se precisar de alguma coisa já sabe... - Afastando-se em direcção à cozinha.
Continuei a comer. Desta vez mais calmo. Saboreei o café devagar e devorei a fatia de tarte em trinta segundos exatos. Arrotei baixo e limpei a boca com os dedos da mão direita, num gesto lascivo, quase como se quisesse guardar aquele resto de sabor só para mim. Uma memória de uma caderneta de cromos raros.
- Hi, I'm Fred. - Era um homem de meia idade, muito magro, como um galgo de corrida. O fato-de-macaco sujo de óleo, com vários compartimentos, para guardar as ferramentas, acentava-lhe como um fato de astronauta sebento e flácido. Parecia um cirurgião de campanha no Viet-nam em que o sangue coalgulado já há muito se tinha misturado com o negro do óleo dos motores de helicóptero. Na cabeça, deformado e já sem a cor original, um boné de baseball. - Podia-me dar as chaves do carro?
Meti a mão direita ao bolso gasto das calças e saquei as chaves.
- Acho que o carborador está nas últimas. - Disse eu.
- Não se preocupe. Faço-lhe uma revisão completa. - Disse Fred.
- Onde é que se trata do assunto dos quartos?
- Fale com a patroa, a Della, que ela resolve já tudo.
- Se não se importa, depois tire-me o saco que está no porta-bagagens.
- OK. Deixo-o à entrada.
Voltei para o restaurante e sentei-me no mesmo lugar. Della apareceu pouco depois. Trazia uns pratos cheios que depositou em frente de dois índios. Ficaram os três a conversar durante alguns minutos e riram-se bastante com uma piada que um deles contou.
Fred entrou, deixou o saco junto à porta e voltou a sair.
- Quero um quarto. - Pedi a Della.
- Ainda bem que decidiu ficar. - Disse sorrindo. Tinha um sorriso magnífico, quase solene.
- Talvez até fique cá durante algum tempo.
- Fique o tempo que quiser. Nós aqui somos como uma familia. - Sorriu.
Segui Della até à recepção. Havia uma porta ao fundo do restaurante, do lado esquerdo de quem entrava, passando por uma juckebox, que dava para um pequeno escritório. Este era rodeado de janelas, excepto pelo lado da porta. À direita encontrava-se uma volumosa e pesada secretária de madeira atrás da qual ela se sentou numa cadeira de igual aspecto, abriu uma gaveta e retirou um livro de hóspedes. Folheou algumas páginas até encontrar uma quase vazia, girando-o na minha direcção. Assinei enquanto ela retirava a chave do quarto de um painel que se encontrava na parede. Olhei para ela. A chave balançava suspensa sob o indicador e o polegar como um pêndulo de um relógio suiço. Estendi o braço e a minha mão fechou-se sobre o metal com o leve ruído de uma debulhadora.
Fiquei com o quarto 7. Della acompanhou-me e quando chegamos á porta pediu-me a chave. O edifício dos quartos estava ligeiramente afastado das bombas, da oficina e do restaurante, por uma zona pavimentada que rodeava todo o motel. Este encontrava-se do lado esquerdo de quem está virado para o restaurante. A oficina ficava á direita e em frente desta estavam as bombas. Mais para a esquerda, já rodeados pelo deserto, um velho moinho de vento queixoso e um depósito de água atarracado, faziam lembrar os dois companheiros de Cervantes.
O vento soprava e fazia levantar levemente a areia. Della abriu a porta e demorei uns segundos a abituar-me à luz do quarto. Entrámos e deixei escorregar o saco até ao chão, junto á cama. Fiquei a olhar para a cor do quarto enquanto Della abria as cortinas e me mostrava onde era a casa-de-banho. Ouvia a voz dela ao longe, misturada com o vento, até ao - Pronto. É tudo.
Continuei a olhar para as pardes. O quarto estava totalmente pintado de um estranho verde-turquesa.
- Já sei. Acha estranha a cor do quarto, não é?- Foi o Fred. Comprou uma quantidade enorme dessa tinta dos excedentes da marinha. Vai ver que até vai gostar. Parece que esta cor tem um estranho efeito sobre nós. Especialmente quando dormimos. Tem-se sonhos muito divertidos. - Della riu-se deliciosamente, pôs a chave na mesa-de-cabeceira e saiu, fechando a porta atrás de si.
Era noite. O Ghost Rider furava o negrume do deserto. O asfalto fixava-se a apenas alguns centímetros dos pneus. Velocidade acima de tudo. O som de guitarras super-sónicas sobrepunha-se a tudo. Sempre em frente, sempre em frente. Imperceptivelmente, inexoravelmente o G.R. cedia á metamorfose. O interior tornara-se uma cama. Guitarras-supersónicas. Velocidade. O interior passava de vermelho a verde-turquesa. Eu beijava uma rapariga. Freneticamente, beijavamo-nos. Cheirava a borracha queimada. Beijavamo-nos, freneticamente. Cheirava cada vez mais a queimado. Beijavamo-nos. Possuiamo-nos... A boca dela tinha o sabor de uma auto-estrada recém-nascida e o alcatrão revestia-lhe a língua e o céu da boca. Amavamo-nos...
Lembro-me. Acordei desorientado. Olhei para o relógio. Eram 17:25h. Acendi um cigarro e sentei-me na cama durante um longo bater cardíaco, antes de me levantar. Dirigi-me á casa-de-banho e urinei ruidosamente para a sanita esmaltada. Meti-me na banheira e abri a torneira de água fria, que fez um som rouco e fundo antes de deitar um jacto longo e velho pelo chuveiro. Fiquei muito tempo a saborear a frescura do duche.
Abri o saco de lona desgastado. Ainda se lia U.S.N. a branco sobre fundo azul como uma mancha de uma novela de Jack London. Tirei o estojo de barbear, a escova de dentes, a pasta, o desodorizante e o after-shave barato. Dirigi-me de novo á casa-de-banho. Quando regressei já estava escanhoado e perfumado. Voltei a abrir o saco. Tirei umas calças de ganga, uma camisa azul-ferrete, um par de meias pretas e umas boxers da mesma cor. Vesti-me e calcei as botas Stewart Custom Boots pretas que tinha comprado em Nova-Iorque. Agarrei no blusão e no chapéu. Saí.
Lá fora, o Sol hà muito que tinha passado o zénite e se preparava para desaparecer no horizonte. A calma do fim do dia só era interrompida pela passagem de um camião que se despistou 240km mais adiante, espalhando carcaças de reses no asfalto.
Uso um chapéu de cowboy comprado no Texas. Guio um Chevrolet Impala SS de 1963, branco, a que dei o nome de Ghost Rider.
Rio-me muito. Tenho todos os dentes e uma tatuagem de um lobo no ombro esquerdo.
Lembro-me. Eram oito-e-qualquer-coisa da manhã. Na rádio Johnny Cash cantava The Long Black Veil. Sentia-me cansado. Tinha conduzido toda a noite e precisava descansar. Parar em qualquer lado. O G.R. estava nas últimas e com falta de gasolina.
Parei no Driver's Paradise. Uma gota de orvalho algures no Novo México entre nada e lado-nenhum. Estacionei junto à entrada do restaurante. Saí de um e entrei no outro.
Mesmo aquela hora da manhã, lá dentro, estava o bastante mais fresco. Dirigi-me ao balcão. Direito e sujo, lento e dormente, sem olhar nem à esquerda nem à direita. Tirei os óculos escuros e guardei-os no bolso esquerdo do blusão de ganga coçado, que era a minha terceira pele desde que me lembro. Sentei-me no banco que fazia a tangente entre a porta e o longo balcão gasto, de madeira da Califórnia e aço de Pittsburg. É nestas coisas que a América é perfeita. O centro das duas costas encontra-se sempre no nada.
- 'om dia.
A empregada era atraente apesar dos seus quarenta anos e vinte-e-dois de serviço entre todas as estradas desde ali até ao Canadá.
- 'om dia. - respondi.
- Café?
- Humhum... - Respondi com um aceno de cabeça.
- Mais alguma coisa? - Perguntou ela com um sorriso de brancura de loiça estalada. - Temos ovos estrelados e bacon com torradas...
- Humhum, tudo isso e...Tarte de maçã, se-faz-favor. - Respondi com um aceno de cabeça.
- OK. - Respondeu afastando-se e anotando o pedido num pequeno bloco de notas que retirou do bolso direito da saia khaki.
- Têm Lucky Strike?
A empregada regressou com o maço e pousou-o à minha frente, quase milimetricamente entre as duas margens do balcão. Virou-se lentamente, como o rodar da chávena no pires, e foi atender outro cliente.
Abri o maço. Como abro sempre, por isso não me lembro dos pormenores, nem vale a pena descrever. Uma maneira lenta e segura. A segurança das coisa banais, já há muito tempo definidas como nossas. Aquele sentido de posse que temos quando levamos a chave à porta de um quarto ou quando beijamos a rapariga sem nome na última cidade...
Abri o maço e tirei um cigarro sem olhar. Mesmo em frente, do outro lado, havia uma colecção de canecas de cerveja com nomes de várias marcas. Li Budweiser três vezes antes de desistir. Olhei em volta. 180º/180º. O lugar era asseado, calmo, agradável...pelo menos aquela hora da manhã.
O pequeno-almoço chegou, finalmente. O café fumegava e o resto apetecia. O cheiro a comida entrou-me pelas narinas e invadiu-me os sentidos. Estava com fome.
- Puro? - Perguntou a empregada. Não ouvi. - Puro?
Olhei para a empregada como que arrancado da lembrança de uma memória. Ela, de cafeteira na mão, sorria.
- Puro?
- Não...Três cubos, obrigado. - E continuei a mastigar.
- Você não é destes lados. D'onde é que vem?
- De lado nenhum em especial.
- Rapaz! Voçê não é muito para conversas!
- Desculpe. Estou um bocado cansado... - Respondi, tentando sorrir.
- Temos uns quartos bons, se quiser...
- Obrigado. - Continuei a comer. - Preciso de um mecânico. - Agarrei um pedaço de bacon e levei-o rapidamente à boca.
- O Fred trata disso. Chamo-me Della. - Disse, estendendo-me a mão direita.
- Paul. Paul Legere. - Respondi.
- Óptimo! Agora já é cliente habitual. - Sorriu. - Se precisar de alguma coisa já sabe... - Afastando-se em direcção à cozinha.
Continuei a comer. Desta vez mais calmo. Saboreei o café devagar e devorei a fatia de tarte em trinta segundos exatos. Arrotei baixo e limpei a boca com os dedos da mão direita, num gesto lascivo, quase como se quisesse guardar aquele resto de sabor só para mim. Uma memória de uma caderneta de cromos raros.
- Hi, I'm Fred. - Era um homem de meia idade, muito magro, como um galgo de corrida. O fato-de-macaco sujo de óleo, com vários compartimentos, para guardar as ferramentas, acentava-lhe como um fato de astronauta sebento e flácido. Parecia um cirurgião de campanha no Viet-nam em que o sangue coalgulado já há muito se tinha misturado com o negro do óleo dos motores de helicóptero. Na cabeça, deformado e já sem a cor original, um boné de baseball. - Podia-me dar as chaves do carro?
Meti a mão direita ao bolso gasto das calças e saquei as chaves.
- Acho que o carborador está nas últimas. - Disse eu.
- Não se preocupe. Faço-lhe uma revisão completa. - Disse Fred.
- Onde é que se trata do assunto dos quartos?
- Fale com a patroa, a Della, que ela resolve já tudo.
- Se não se importa, depois tire-me o saco que está no porta-bagagens.
- OK. Deixo-o à entrada.
Voltei para o restaurante e sentei-me no mesmo lugar. Della apareceu pouco depois. Trazia uns pratos cheios que depositou em frente de dois índios. Ficaram os três a conversar durante alguns minutos e riram-se bastante com uma piada que um deles contou.
Fred entrou, deixou o saco junto à porta e voltou a sair.
- Quero um quarto. - Pedi a Della.
- Ainda bem que decidiu ficar. - Disse sorrindo. Tinha um sorriso magnífico, quase solene.
- Talvez até fique cá durante algum tempo.
- Fique o tempo que quiser. Nós aqui somos como uma familia. - Sorriu.
Segui Della até à recepção. Havia uma porta ao fundo do restaurante, do lado esquerdo de quem entrava, passando por uma juckebox, que dava para um pequeno escritório. Este era rodeado de janelas, excepto pelo lado da porta. À direita encontrava-se uma volumosa e pesada secretária de madeira atrás da qual ela se sentou numa cadeira de igual aspecto, abriu uma gaveta e retirou um livro de hóspedes. Folheou algumas páginas até encontrar uma quase vazia, girando-o na minha direcção. Assinei enquanto ela retirava a chave do quarto de um painel que se encontrava na parede. Olhei para ela. A chave balançava suspensa sob o indicador e o polegar como um pêndulo de um relógio suiço. Estendi o braço e a minha mão fechou-se sobre o metal com o leve ruído de uma debulhadora.
Fiquei com o quarto 7. Della acompanhou-me e quando chegamos á porta pediu-me a chave. O edifício dos quartos estava ligeiramente afastado das bombas, da oficina e do restaurante, por uma zona pavimentada que rodeava todo o motel. Este encontrava-se do lado esquerdo de quem está virado para o restaurante. A oficina ficava á direita e em frente desta estavam as bombas. Mais para a esquerda, já rodeados pelo deserto, um velho moinho de vento queixoso e um depósito de água atarracado, faziam lembrar os dois companheiros de Cervantes.
O vento soprava e fazia levantar levemente a areia. Della abriu a porta e demorei uns segundos a abituar-me à luz do quarto. Entrámos e deixei escorregar o saco até ao chão, junto á cama. Fiquei a olhar para a cor do quarto enquanto Della abria as cortinas e me mostrava onde era a casa-de-banho. Ouvia a voz dela ao longe, misturada com o vento, até ao - Pronto. É tudo.
Continuei a olhar para as pardes. O quarto estava totalmente pintado de um estranho verde-turquesa.
- Já sei. Acha estranha a cor do quarto, não é?- Foi o Fred. Comprou uma quantidade enorme dessa tinta dos excedentes da marinha. Vai ver que até vai gostar. Parece que esta cor tem um estranho efeito sobre nós. Especialmente quando dormimos. Tem-se sonhos muito divertidos. - Della riu-se deliciosamente, pôs a chave na mesa-de-cabeceira e saiu, fechando a porta atrás de si.
Era noite. O Ghost Rider furava o negrume do deserto. O asfalto fixava-se a apenas alguns centímetros dos pneus. Velocidade acima de tudo. O som de guitarras super-sónicas sobrepunha-se a tudo. Sempre em frente, sempre em frente. Imperceptivelmente, inexoravelmente o G.R. cedia á metamorfose. O interior tornara-se uma cama. Guitarras-supersónicas. Velocidade. O interior passava de vermelho a verde-turquesa. Eu beijava uma rapariga. Freneticamente, beijavamo-nos. Cheirava a borracha queimada. Beijavamo-nos, freneticamente. Cheirava cada vez mais a queimado. Beijavamo-nos. Possuiamo-nos... A boca dela tinha o sabor de uma auto-estrada recém-nascida e o alcatrão revestia-lhe a língua e o céu da boca. Amavamo-nos...
Lembro-me. Acordei desorientado. Olhei para o relógio. Eram 17:25h. Acendi um cigarro e sentei-me na cama durante um longo bater cardíaco, antes de me levantar. Dirigi-me á casa-de-banho e urinei ruidosamente para a sanita esmaltada. Meti-me na banheira e abri a torneira de água fria, que fez um som rouco e fundo antes de deitar um jacto longo e velho pelo chuveiro. Fiquei muito tempo a saborear a frescura do duche.
Abri o saco de lona desgastado. Ainda se lia U.S.N. a branco sobre fundo azul como uma mancha de uma novela de Jack London. Tirei o estojo de barbear, a escova de dentes, a pasta, o desodorizante e o after-shave barato. Dirigi-me de novo á casa-de-banho. Quando regressei já estava escanhoado e perfumado. Voltei a abrir o saco. Tirei umas calças de ganga, uma camisa azul-ferrete, um par de meias pretas e umas boxers da mesma cor. Vesti-me e calcei as botas Stewart Custom Boots pretas que tinha comprado em Nova-Iorque. Agarrei no blusão e no chapéu. Saí.
Lá fora, o Sol hà muito que tinha passado o zénite e se preparava para desaparecer no horizonte. A calma do fim do dia só era interrompida pela passagem de um camião que se despistou 240km mais adiante, espalhando carcaças de reses no asfalto.
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